Cerca de 70 mil páginas de legislação colonial portuguesa, produzida entre 1910 e 1970, foram digitalizadas e estão agora acessíveis ao público, podendo ser consultadas a partir de qualquer parte do mundo.
De acordo com Cristina Nogueira da Silva, coordenadora deste projecto da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, pela primeira vez, toda a legislação gerada em Portugal e nas antigas colónias de África e da Ásia estará disponível globalmente. Até agora, essa documentação encontrava-se apenas em formato impresso, acessível apenas em arquivos e bibliotecas com restrições, limitando o seu uso a investigadores credenciados que podiam estar presentes fisicamente. A digitalização permite que “qualquer pessoa” possa agora consultar essa legislação, afirmou Cristina Nogueira da Silva.
Este novo acervo digital complementa o arquivo de legislação colonial já disponível desde 1496, mantido pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Agora, “toda a legislação produzida ao longo de cinco séculos para os territórios colonizados por Portugal estará online”, destacou a coordenadora.
No meio académico, o objectivo é integrar o direito colonial na história do direito, proporcionando aos estudantes o acesso a fontes primárias em várias disciplinas, desde a história das ideias políticas até às instituições e cidadania. “Especialmente nas questões de cidadania, num momento em que existe um debate público sobre a presença portuguesa e as suas várias narrativas, esta digitalização ajudará a esclarecer esse debate”, disse a historiadora. Um dos conteúdos disponíveis será a legislação discriminatória que deu suporte ao colonialismo português ao longo dos diferentes períodos de ocupação.
O arquivo inclui 67.500 páginas organizadas em 88 volumes no “Arquivo Digital Legislação Colonial Portuguesa 1910-1970”. Entre os textos disponíveis, está legislação específica sobre o trabalho nas colónias, como o estatuto do indígena, descrito como “a lei mais discriminatória e racista do império português”, onde os indígenas negros não eram considerados cidadãos e estavam sujeitos a regulamentos que limitavam os seus direitos de circulação e políticos.
Para Cristina Nogueira da Silva, este projecto é um recurso vital para compreender as políticas coloniais e a administração dos territórios ultramarinos e das suas populações na época contemporânea. “Oferece uma base sólida para a investigação sobre o impacto do colonialismo e as transições para a independência política desses territórios”, concluiu.
O projecto resulta da colaboração de três colecções de legislação impressa, fornecidas pelo Arquivo Histórico Ultramarino: a Colecção da Legislação Colonial da República Portuguesa (1910-1933, 34 volumes), o Boletim de Legislação Ultramarina Portuguesa (1934-1946, 24 volumes) e a Nova Legislação Ultramarina (1953-1970, 30 volumes). Esta iniciativa foi financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e desenvolvida no Centro de Investigação e Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (NOVA School of Law).